« November 2003 »
S M T W T F S
1
2 3 4 5 6 7 8
9 10 11 12 13 14 15
16 17 18 19 20 21 22
23 24 25 26 27 28 29
30
You are not logged in. Log in
Entries by Topic
All topics  «
Filmopolis
Sunday, 2 November 2003
VEST?GIOS

J? aqui escrevi - a prop?sito de Inquietude - que a obra de Manoel de Oliveira configura, cada vez mais, a edifica??o de uma grande catedral g?tica, sem um plano r?gido, determinado ou predefinido, mas que se vai compondo, filme a filme, capela a capela, elaborando conex?es m?ltiplas e sempre surpreendentes, porque emergem das pr?prias formas e dos temas e causas que servem. E neste aspecto particular, a obra de Oliveira ?, verdadeiramente, uma obra ?nica. ?, por isto, curioso (mesmo, eloquente) que, num momento decisivo de Um Filme Falado, Oliveira filme o interior da Bas?lica de Santa Sofia, em Constantinopla, o templo da Humanidade que melhor simboliza esta montagem civilizacional, atrav?s das cicatrizes que o pr?prio espa?o exibe, na altern?ncia entre marcas crist?s e mu?ulmanas, seguindo as sucessivas e violentas ocupa??es da catedral, ao longo da hist?ria.

?, pois, muito alto o voo de Um filme falado; t?o alto, pelo menos, como o de Acto da Primavera, Non, ou a v? gl?ria de mandar ou Palavra e Utopia, vers?es ?picas desta grande arqueologia cinematogr?fica do homem, que Oliveira tem vindo a filmar, tamb?m em vers?o de "c?mara", em filmes como Viagem ao Princ?pio do Mundo, Porto da minha inf?ncia ou O princ?pio da incerteza, no momento em que se anuncia a produ??o, para o pr?ximo ano, de uma adapta??o da pe?a de Jos? R?gio "El-Rei D. Sebasti?o", mais que prov?vel grande ab?bada desta catedral em constru??o. Mas de que trata Um filme falado ? Da viagem de Rosa Maria (Leonor Silveira), uma professora de Hist?ria e da sua filha de oito anos, Maria Joana, pela bacia do Mediterr?neo at? ao mar Vermelho. Projectam encontrar-se, em Bombaim, com Jo?o, marido de Rosa, um piloto de avia??o. Aproveitam, ent?o, fazer a viagem por mar, num pregui?oso (mas alucinante) cruzeiro, o que lhes possibilita visitarem os grandes portos do Mediterr?neo e as civiliza??es que neles se expressam. Sucedem-se, assim, os lugares e os mitos que os fixaram: Lisboa, Ceuta, Marselha, N?poles e Pompeia, Atenas, as pir?mides do Egipto, Constantinopla, Aden. O pr?prio barco se transforma num desses lugares, j? que nele seguem tr?s mulheres de grande cultura: uma empres?ria francesa (Catherine Deneuve), uma modelo italiana (Stefania Sandrelli) e uma actiz grega (Irene Papas, deslumbrante), que, em dois longos jantares ? mesa do comandante (John Malkovich), dissertam sobre a hist?ria do mundo (e dos seus homens e mulheres) e sobre a evolu??o do "Ocidente" e dos seus paradoxos.

Filme sobre ru?nas e vest?gios, e sobre a sua montagem, Um filme falado vai-se assumindo, ele pr?prio, como um desses vest?gios, um momento de tr?nsito da viagem desses mundos pela hist?ria e que, atrav?s de Oliveira, cruzam, enfim, o cinema (por exemplo, em Atenas, na sequ?ncia da Acr?pole, ? imposs?vel n?o sentir a import?ncia do acto ?nico de fixa??o do monumento em pel?cula, por um dos poucos cineastas capazes de monumentalizar os seus planos.Mas Um filme falado ? menos um filme de monumentos do que um filme sobre os fantasmas que deles se libertam. ? por isso que, no seu desconcertante e catacl?smico final, Oliveira nos for?a a fazer, em dois segundos, o mesmo trajecto que, em sentido inverso, demorou 2000 anos a percorrer. Como o 11 de Setembro mostrou a um mundo perplexo, a hist?ria, afinal, ? s? um "bang"... um duplo "bang".

Posted by jmgriloportugal at 9:25 AM EST
Updated: Sunday, 2 November 2003 1:28 PM EST

View Latest Entries