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Filmopolis
Sunday, 28 September 2003
EXPERIMENTOGRAFIA

DESIGNMATOGRAPHY ? o t?tulo (muito bem achado, mas o desta cr?nica n?o ? pior) que os organizadores da Experimenta 2003 decidiram dar ao programa cinematogr?fico da exposi??o. Nele est?o envolvidos um conjunto de 80 filmes in?ditos e cerca de vinte sess?es (no Cinema S. Jorge), distribu?das pelos dias da exposi??o: o in?cio ser? j?, este S?bado, dia 27, com uma sess?o especial em que o m?sico Lee Ranaldo (dos Sonic Youth) improvisar? sobre uma s?rie de filmes experimentais americanos (Lapis, de James Whitney, Early Abstractions, de Harry Smith, Autumn Feast, de Jeff Keen e Piero Heliczer, The Flicker, de Tony Conrad e Arabesque, de John Whitney), o final ser? a 2 de Novembro, com a apresenta??o de Tom Tom The Piper's Son, um cl?ssico do cinema experimental, realizado por Ken Jacobs, entre 1969 e 1971.

O projecto de Designmatography ? centrado numa quest?o de enorme import?ncia no cinema: a ideia do detalhe e das suas m?ltiplas (e censuradas) express?es f?lmicas, que v?o da visualidade imediata e explosiva do grande plano a elaboradas explora??es de outras figuras da temporalidade, com o recurso ? c?mara lenta ou ? conceptualiza??o de certas modalidades de mise en sc?ne ou de movimentos de c?mara (como acontece, por exemplo, no soberbo The Girl Chewing Gum, realizado por John Smith, em 1976, e programado para a sess?o das 19 horas do dia 31 de Outubro). S?o muitos os testemunhos que mostram como o sucesso do cinema junto dos modernistas das primeiras d?cadas do s?culo teve imenso que ver com estas novas e surpreendentes capacidades da vis?o abertas pelo cinema. O pintor Fernand L?ger, por exemplo (ele pr?prio envolvido na produ??o de alguns filmes essenciais do cinema experimental, como Ballet M?canique), afirmava ter sido o cinema a ensin?-lo a ver, atrav?s do grande plano, "a poesia de um sapato ou de uma narina"; para Eisenstein, o cinema deveria ser todo ele visto "em grande plano", assumindo-se como um modo de educar os espectadores para outras capacidades performativas do olhar; para Jean Epstein, a verdadeira fotogenia do cinema era, mesmo, exclusivamente devedora desta despropor??o visual e temporal e das suas imensas possibilidades po?ticas.

Recuperando muito do mais significativo que o experimentalismo produziu nas ?ltimas d?cadas, o programa proposto reconduzir? o espectador a um reexame desta quest?o, num territ?rio est?tico bem diferente daquele praticado, normalmente, pelo cinema "comercial". Em foco, estar?o, em particular, certas obras de autores universalmente reconhecidos como cl?ssicos do cinema experimental: Stan Brakhage, Hollis Frampton, Stephen Dwoskin, Peter Gidal ou o j? referido Ken Jacobs. Mas o interesse da mostra alarga-se ? descoberta de nomes bem mais "secretos", como o miniaturista Leighton Peirce (com dois programas, a 24 e 27 de Outubro), as "articula??es crom?ticas" de Arthur e Corinne Cantrill, (26 de Outubro), o minimalismo vermeeriano de Jean-Claude Rousseau (29 de Outubro), para al?m de outras "surpresas", entre as quais ? for?oso destacar Visa de Censure n? X, filme "psicad?lico", que Pierre Cl?menti realizou em 1967. Um programa excelente e sofisticado, em suma, que n?o se limita a misturar obras experimentais mais ou menos desconhecidas (tend?ncia habitual), mas procura dar-lhes um rosto conceptual, aproximando-as numa mesma direc??o e numa mesma po?tica (forte) do cinema.

Posted by jmgriloportugal at 7:56 PM EDT
Updated: Sunday, 28 September 2003 7:59 PM EDT
Sunday, 21 September 2003
JONATHAN
A fotografia que ilustra esta cr?nica ? uma das imagens mais impressionantes do 11 de Setembro de 2001. Faz parte de uma s?rie de doze fotografias tiradas por Richard Drew, um rep?rter fotogr?fico da Associated Press, celebrizado pela cobertura chocante que fez do assassinato de Bob Kennedy, e representa um dos muitos "jumpers" do World Trade Center que escolheram saltar para a morte, num mergulho terr?vel e, ao mesmo tempo, algo "libertador", em vez de sufocarem no mar de chamas e fumo que invadiu os andares superiores das Torres G?meas. A fotografia correu mundo e foi, mesmo, intensamente publicada nos jornais americanos, at? que uma chuva de protestos sobre a explora??o gratuita da morte viesse travar esse frenesim editorial. Por essa raz?o, e durante muito tempo, imagens como esta (em que o reconhecimento das pessoas se julgava poss?vel) foram discretamente afastadas dos jornais e revistas, mesmo que algumas tenham permanecido na mem?ria fotogr?fica desse acontecimento, como s?mbolos do dia mais traum?tico da hist?ria contempor?nea, desde a bomba de Hiroshima.

Dois anos depois do ataque terrorista ao WTC, come?am, lentamente, a surgir condi??es para repensar a natureza destas imagens, a complexidade da situa??o ?tica do fotojornalismo face ? realidade e, tamb?m, o seu genu?no valor documental (em nome do qual se pratica), como o olhar que cristalizar? todos os outros... uma esp?cie de "olhar da hist?ria", testemunho de um tempo que ? j? o futuro, mesmo no pr?prio momento, rigorosamente sincronizado com o presente, em que o fot?grafo tira a sua fotografia. ? que para al?m da hist?ria que as imagens registam, elas passam a possuir, a partir desse momento, a sua pr?pria hist?ria. Como esta fotografia, que gerou ? sua volta uma minuciosa (e algo secreta) investiga??o, destinada a apurar a identidade misteriosa do "jumper". Embora sem certezas absolutas, todos os ind?cios apontam para que o "Falling Man" (como ficou conhecido) seja Jonathan Briley, um trabalhador do Windows of The World, o restaurante do 106? andar da Torre Norte, de onde Jonathan se decidiu atirar para o seu voo fat?dico, exactamente quinze segundos depois das 9 e 41.

Esta fotografia n?o ? como as outras. Surge impregnada de uma incomodativa correc??o est?tica, com o rigoroso alinhamento vertical da composi??o, a coloca??o "estudada" do corpo no enquadramento, a justeza da escala, a posi??o desconcertante e exacta do indiv?duo. Como o pr?prio fot?grafo afirmou: "Quando se trabalha em fotografia digital, habituamo-nos a procurar A IMAGEM. Esta fotografia parecia saltar do ecr?, por causa da sua verticalidade e simetria. Tinha o "tal" ar".

Digamos que ? a procura deste "ar" - uma outra forma de falar das propriedades ic?nicas da realidade -, que vem pautando, cada vez mais, a atitude do fot?grafo face ao acontecimento. Como qualquer editor sabe, ? a ret?rica cristalina, a transpar?ncia exemplar e rara destas imagens que as p?e a circular nos media, com tamanha velocidade e capacidade persuasiva. S?o estas as imagens que vendem, porque pensam o real por elas pr?prias, porque parecem traduzir a pr?pria vontade da realidade se transformar em imagem, eternizando-se. Para tr?s ficar?o todas as outras: menos preocupadas com esse impacto ic?nico, avassalador, com essa vontade de congelar o tempo e da hist?ria, e mais atentas ? ambiguidade e aos matizes humanos de uma hist?ria, de um acidente, de uma pequena ou grande trag?dia. ? tamb?m essa a fronteira que separa a propaganda do document?rio, a vida das imagens das imagens da vida. Apesar de n?o parecer, Jonathan morreu mesmo no ch?o do WTC, quinze segundos depois das 9 e 41, do dia 11 de Setembro de 2001.

Posted by jmgriloportugal at 12:12 PM EDT
Updated: Monday, 3 November 2003 2:39 AM EST
Sunday, 14 September 2003
DESAFEI??O

Goste-se ou n?o, a verdade ? que ? um pouco irritante o sil?ncio ? volta de Ken Park - Quem ?s tu ?. o ?ltimo filme de Larry Clark (autor de Kids e Bully), desta vez realizado em parceria com o o director de fotografia Ed Lachman. Irritante e eloquente: n?o s? pela natureza "ofensiva" do filme - que lhe valeu j? alguns dissabores com v?rias comiss?es de censura, um pouco por todo o mundo - mas tamb?m pela m?dia depressivamente med?ocre em que mergulhou o ver?o cinematogr?fico portugu?s. Se algu?m anda (desesperadamente) ? procura de um filme para sacudir esse torpor, ent?o dificilmente achar? melhor do que este: com os seus pequenos defeitos e desequil?brios, com as suas muito espec?ficas e arriscadas qualidades, Ken Park ? um filme a "abrir", que dificilmente pode (ou deve) passar despercebido, mesmo em circunst?ncias "normais" de distribui??o; quanto mais no meio de t?o pungente defeso.

Dir-se-ia nome de s?tio, mas Ken Park ? o nome de um adolescente: um jovem skater de Visalia, cidadezinha bem no centro da Calif?rnia. ? com ele que o filme abre e com ele quase precipitadamente acaba, no termo do gen?rico, quando lhe ouvimos o nome, ao mesmo tempo que vemos o seu cad?ver estendido no meio de uma pista de skates, depois de ter enfiado uma bala na cabe?a. O filme podia ser a justifica??o do absurdo de tal gesto - num jeito bem convencional, que at? se chega a temer -, mas Ken Park n?o s? n?o ? isso (o biopic de um adolescente sociologicamente "exemplar"), como acaba por ser uma certa forma de se opor a esse destino. ? s? uma primeira (mas significativa) aud?cia: imaginar um filme feito ao contr?rio e que tudo faz para escapar ? bala (cinematogr?fica) com que Park se suicida. Tamb?m ? esse o mundo em que circulam os seus personagens, os outros adolescentes skaters de Visalia que tamb?m podiam enfiar uma bala na cabe?a, mas que, justamente, n?o o fazem: Claude, Shawn, Peaches, Curtis, Tate, todos eles donos de um presente dif?cil e de um futuro incerto; todos eles a bra?os com as taras das respectivas fam?lias e com a psicopatia generalizada de uma sociedade mentalmente doente. A arma que estes mi?dos esgrimem contra tudo isso (valores e pr?ticas) ?, ao mesmo tempo, um quase nada e um mais que tudo. Uma enorme, tremenda e irreconhec?vel desafei??o, que arriscaria dizer ser Larry Clark o primeiro cineasta a filmar, num exerc?cio de pura virtuosidade (visual) que faz de Ken Park o filme que mais aproxima o cinema dessa grande tradi??o da fotografia urbana americana, de que Clark foi (e ?) um dos m?ximos expoentes (sobretudo a partir de Tulsa, o seu influente e magn?fico ?lbum, publicado em 1971).

Ken Park mostra, afinal (o que ? imenso), porque s?o estes jovens provincianos e quase an?nimos, personagens t?o absolutamente admir?veis, quando t?o completamente despojados dos valores apodrecidos de uma civilidade pequeno-burguesa, feita de hipocrisias, pervers?es e interdi??es. E o filme ? t?o brutal, frontal e franco, como a fotografia que se adivinha assolar cada um dos seus planos, ousando enfrentar, de modo expl?cito e completamente visual, os dois tabus que melhor reflectem essa moral: a morte e o sexo. H? um mi?do que mata os av?s ou que se masturba ao mesmo tempo que se estrangula, um outro que fornica, por rotina, com a m?e da namorada; h?, tamb?m, esse inesquec?vel tri?ngulo (quase) final, em que tr?s amigos fazem do sexo e do corpo um acto de pura resist?ncia e solidariedade (uma "utopia", como diz Claude, um dos personagens mais fascinantes de Ken Park). Teve afinal raz?o Larry Clark em dar ao filme um t?tulo que, no in?cio, quase parece paradoxal. Nenhum memorial do jovem suicida de Visalia poderia ser t?o belo, radical e justificativo como este.

Posted by jmgriloportugal at 8:09 PM EDT
Updated: Sunday, 14 September 2003 8:33 PM EDT

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